sábado, abril 11

“Yantra que a porta está aberta!”

Tantas folhas brancas por escrever.
E tanto com que enchê-las.
Sobretudo com o loop imenso
de que de nada vale escrevê-las.
De nada é o esforço
de pôr cá para fora os demónios e os arcanjos.
Se está tudo na mente.
Se ainda que o papel exista
e as letras desenroladas
são só cheias de cabeças e ideias.
São só coisas na nossa mente.
Artefactos a esconder a verdade do silêncio.
Mais charadas e joguinhos
para distrair do medo.
Do medo de não ser.
Morte.
Silêncio.
O tudo transformado no nada que é.

Reparo nas linhas que escrevo

como quem sonha acordado que é altura de dizer algo.

Acontecem e eu vejo a folha branca a encher-se.

Lembro-me que estou a fugir do Inominável.

E enquanto me lembro,

e até enquanto analiso isso,

permaneço no ciclo vicioso dessa ilusão.

Sou.

Isso pareço saber.

Sou o Outro.

Tudo em minha volta é outro.

Ou assim aparenta a comédia da viagem.

Aqui, ao contrário da lógica a que me acostumei,

acordo para um mundo

que parece acontecer do lado de fora.

Separo os detalhes da minha experiência

em pensamentos que

as transformam em coisas.

E quando interajo com elas,

as aparentes coisas,

resultados emergem.

Mas é tudo uma coisa só.

Um campo único vibrando em existir.

E os meus sentidos dão-me perspectiva disso.

Será que é isso que eu sou?

Uma perspectiva?

Mas sou tantas.

Sou.

E habito perspectivas.

Tantas quanto eu imagino.

Sou.

E imaginar o que é?

A cada pergunta a confusão desvanece.


Sou.


Há uma paz no silêncio.

Em tudo o que não se pode nomear.

Em todas as equações

feitas na mente de um louco,

com variáveis

que não se tentam sequer definir.

Há mais saber nelas que em todas as letras do mundo.

A única arte que realmente vale é Ser.

E Ser é Arte.


Penso em todas os seres

que parecem partilhar a experiência.

Em cada um deles Deus.

Em cada um deles Arte.

Os piores e os melhores.

Os vilões e os heróis.

Todos filhos, muitos pais.

Todos perspectivas de Tempo a Agir.


A agonia de não valer a pena volta a invadir-me.

De que vale tentar pôr num pedaço de fibra

pequenos filamentos de carbono

representando o segredo do Universo

ainda que o soubesse?

A mim parece-me

ser tudo

uma grande pilha de Merda.

Nada senão viver vale a pena.

Isso ou suícidio

que é um grande desperdicio

de Tempo.

Viver. Ser.

São coisas diferentes.

Sinto que Ser

é algo maior

que o meu corpo

ou quem sou

ou os circuitos

do meu cérebro.

Ser é.

Com um é que se conjuga

fora do Tempo.

Ser como o tecido básico de tudo.

Viver é algo Outro.

Viver é crescer,

evoluir com vontade,

processar e manifestar realidade,

ou desistir de tudo

e descer ao abismo da matéria.

Viver é o que se faz

com a experiência

depois de se perceber

que nada perceberemos

sobre Ser.

Viver é por as mãos na Merda

e sorrir olhando os padrões.


Sorrio.

Olho os desenhos na página branca

e sei que os macacos vão nele encontrar sentido

durante um tempo.

Já sei o que quero Ser

quando for grande.

Esculptor de Merda.


Barnabé Santiago 11/04/2009

sábado, setembro 22

Tinha quase vinte anos da primeira vez que morri. Não foi bom nem foi mau, fui só eu a perceber que acabei e o mundo todo a não dar por nada.

quarta-feira, maio 16

65 days of static, 15 de Maio de 2007, The Point, Cardiff


É assim que soam músicos em serviço. A execução perfeita de peças magistrais. A simples complexidade do post-rock em trabalhos dificilmente igualáveis.

http://www.65daysofstatic.com/

quinta-feira, março 15

Para C. e P.

My Crazy and Saint Friends


I choose my friends not by the colour of their skin or other archetype, but by the pupil. It has to have questioning shine and unsettled tone.

I'm not interested in the good spirits or the ones with bad habits. I'll stick with the ones who make me crazy and blessed. From them, I don't want any answer, I want to be reviewed. I want them to bring me doubts and fears and to tolerate the worst of me. I want saints, so they don't doubt differences and ask for forgiveness for injustices.


I choose my friends for their bare face and their open soul. I do not only want the shoulder or the col, I also want his greatest happiness. Friends that don't laugh together don't know how to suffer together.

All my friends are like thus: half foolish, half serious. I don't want predictable laughter or cries full of pity. I want serious friends, those that make reality their fountain of knowledge, but that fight to keep fantasy alive.


I don't want adult or boring friends. I want half children and half elders. Children, so they don't forget the value of the wind blowing on their faces and elders so they're never in a hurry.

I have friends to know who I am. Then seeing them as foolish and serious, crazy and saints, young and elder, never will I forget that normality is a barren illusion.


Oscar Wilde

quarta-feira, março 7



Buena Vista Social Club, Millenium Centre, Cardiff 4 de Março 2007

Antes que eu morresse, ou que mais algum de vocês partisse. A paixão não tem idade e o que nasce clássico só pode tornar-se eterno.
A tão esperada estreia para as produções JMC.

quarta-feira, dezembro 13

e no fim o que nos espera
já pensaste no fim da estrada
reflectiste talvez nos senãos
da nossa despedida chorada
já imaginaste os meus olhos
os teus em lágrimas
um a desaparecer na distancia
à chuva
olhando só uma vez para trás
antes de virar a esquina
e haver só azedo entre nós
onde hoje só se adivinham
manhãs doces
e toques de sorrisos
em beijos sumarentos
é que quando te explico
enquanto me explico
as nuaces de tudo
o que ainda tenho para te dizer
é isso que me atravessa os sentidos
a despedida
quando o nosso amor
impensado e repentino
morrer estendido
a nossos pés colados
na poça da nossa paixão
que foi
e adivinhar os teus olhos
por entre o fio dos teus cabelos
a dizerem-me que
não
que não pode ser
não pode ser mais
ou
não pode ter sido
sei lá agora dizer-te
do fundo da minha solidão
se vai morrer em ti
como eu desejo
para nunca mais perder
este brilho
quando se pronuncia o teu nome
nem que seja numa língua por imaginar
é que te iria guardar
nas cinzas do nosso amor
aquele tempo em que vivi
este tempo
em que o meu coracao
bate ao som do teu
na distancia
eu sei la
achas que valha a pena
que eu deva
ir por esses trilhos a fora
esses caminhos em que te desvendo
em que descubro as ondulações
de ti dentro de ti
porque as de ti dentro de mim
debruço-me sobre elas a cada hora
e sei-as de cor
cada flutuacao da tua voz
cada maneira especial de olhar
cada toque dos teus cabelos
cada palavra de reprovação
cada sorriso de olhares
dentro do branco dos meus olhos
e me veres todo
como se nunca tivesse existido
e saberes o quanto
da minha vida
tem o teu cheiro
e o teu andar de princesa
sobre essas ondas
desse mar só nosso
do infinito do horizonte
que nos espera ao longe
num abraço ensaiado e perfeito
como só podia ser
achas que consigo
passar por cima desses medos
aniquilar o instinto
e arriscar ser feliz
mas eu nunca soube
nem arriscar
nem ser feliz
mas olhas-me
olhas-me num olhar
em que sei que te tenho
e onde só posso saber
em ossos e suores
que me tens
que me tens desde a palavra
e nesse olhar e nessa palavra
aposto a vida
como não tem nada a perder
porque não tenho
não tenho senão pedaços
e pedaços eu posso apanhar
ainda que perca no chão
o prémio desses retalhos
quando um de nós
se afastar à chuva
e na distância olhar
para trás
antes de virar a esquina.



Barnabé Santiago 12/12/06

sábado, novembro 25

A ultima criação dos estudios da G6 Productions

quinta-feira, novembro 16

Paro

A inércia pega em mim

Em todos os fios que me movem

E estaco

Vem a preguiça

Antiga e sonolenta

E apodera-se de mim

Como quem pega na maçã mais bela do pomar

E fico

Fico quedo a olhar o mundo

E as mãos caídas

Á espera de mais do que um motivo

Mais que o mero propósito ou valor por trás

Dessa acção quieta

Que se espera

Como eu espero o dia

Em que se me ergue o corpo para o mundo

E me encontro no lugar conhecido

Do acto

Mas fico

Fico e detenho todo o impulso

Contemplo o mundo pardo em volta

No seu ritmo sossegado

E só quero o meu sossego

Não quero mexer uma palha

Na ordem das coisas

Velho e pesado

Acordo nas manhãs frias

Satisfeito

De tudo estar no seu lugar

Fecho os olhos e o mundo ainda é o meu

Barnabé Santiago 15 de Novembro de 2006

segunda-feira, novembro 6

E' favor prestar a atencao a este rapaz. "Simply Luke Leighfield". Mais uma perola saida da cena musical norte-londrina, depois de acompanhar "Get cape.Wear cape. Fly.". Simplesmente sublime.


http://www.myspace.com/simplylukeleighfield

A Mountain to Climb

"today is a day that i love a good cliché, ‘cause all the love ones finally made sense.i listened to clarity and i understood all the imagery. i carried the lyrics in my bag all week.and all the lyrics that i wrote came out like new found glory, and i was tempted to smoke for the first time in my life ‘cause i’d look cool and sophisticated – all i’d need is a cravate – then the nme would like me and the kids, well they love that!i’d never understood. i’d never understood. but the sun came up and the mist was clearing. i’ve got a mountain to climb.i binged on iron and wine, longed for pop from time to time, but that just wouldn’t do ‘cause mariah can’t be your muse right now.keep it quiet! wear drainpipe jeans. get a checked shirt. wear better shoes. but dirty them up and do it well, the cool kids can always tell if you’re faking."

Oh! Se isto nao e' o que qualquer musico que se preze sente quando abre uma revista e sabe que se usasse maquilhagem tinha uma hipotese no mundo... Teem mesmo uma montanha pela frente, mas o pico e' mais alto. Tres vivas para musica feita para mais do que uma estacao. Viva! Viva! Viva!


Eu gosto. Gosto muito de gostar. Gosto das rotas que os comboios tracam nos meus sentidos quando os ouco a passar.
iLiKETRAiNS, Barfly, Cardiff, 24 de Outubro 2006

sábado, setembro 9

é estranho
ser só um beijo:
o de despedida
e o desejo a esvair-se
ainda antes
de a chama nascer
deixando só
a cumpliidade
dos gestos simples
de anos enfiados
em anos
de cumprimentos
e ternuras
puras
de não terem intenção
é estranho
ser só um beijo:
o de despedida
e um querer saber
só da companhia
de escorrer tardes
de café e gelo
numa luz estranha
de óculos de sol
enquanto o mundo gira
parado
e o tempo corre
só no seu sorriso
é estranho
ser só um beijo:
o de despedida
se os corpos
chamam
um pelo outro
e a vibração
se sente
no ar em volta
como um sussurro
ou um suspiro
à chuva
é estranho
ser só um beijo:
o de despedida
ou talvez
só o acordo tácito
de que olhar
em frente
é ver-nos partir.

Barnabé Santiago
08/09/2006

segunda-feira, julho 17


As crianças brincam. Estas brincam com os arrepios que nos fazem sonhar, modelando as explosões de dentro do nosso imo. As crianças brincam.

Pavilhão Atlantico 16 de julho de 2006

Foto: Isabel (obrigado.)

segunda-feira, abril 3



obrigado. para voar só é preciso o instrumento de muito barulho e os genios por tras de guitarras. obrigado mogwai.
cardiff coal exchange, 2 de abril 2006


foto de luis bento: www.oputodaojectiva.net

quarta-feira, março 15

a tua mão na minha

e as folhas a cair, num outono

arrepiado cedendo aos caprichos do Inverno.

o vento a descer a rua conosco

a aconchegar-nos os cachecois

e a pincelar de azul as nossas faces rosas

não há frio que penetre o teu olhar sorrindo.

vou-te falando de todas as ideias que me fogem

de todos os instantes de letras sem lapis

de uma memória prometida e falhada

sufocada pelos dias e as caras

e o sorriso no teu olhar,

enquanto compensamos o declive com os corpos

traz a primavera para dentro de mim.

vais-te desvendando aos poucos

ancorada no que ja sei de ti

e eu sei que não é tudo a descoberta

puxas o que me interessa

e eu não evito a discussão

falas dos teus sonhos

e eu tento atentar nas lajes tortas do passeio

mas não desprendo o olhar de ti.

os dedos enterlaçados

os polegares afagando-se docemente sobre as luvas.

o outono continua fora do vidro da cafetaria

e entre os cappucinos nas nossas mãos

há algo mais que as palavras e as partilhas,

maior que os sonhos e os momentos

e toca-mo-lo com os nossos olhares

distraidos de tão focados

nos pormenores infimos das faces um do outro

e nas palavras proibidas

não proferidas

para amadurecerem dentro de nós

até ao momento da luz certa

até à hora em que não mais se contêm nos lábios.

mas adivinham-se nos gestos pequenos

sinais disfarçados mas não escondidos

que o frente a frente nos vai mostrando.

um prato estala na cozinha

e percebo o voô de dois passaros que se encontram

e rodopiam para fugir a seguir

quando me apercebo a um canto do café

que estou só eu e o meu sonho

que a cadeira vazia em frente a mim se adivinha uma condenação.

na vidraça enorme o cinza lá fora

dita o rigor do inverno bem cerrado

nos vultos que passam

nem sequer me deixo ficar triste

os sonhos foram feitos para se alcançar,

mas junto as mãos uma à outra

e ao soprar para a concha dos meus dedos

há a marca de um calor que não toquei

mas lá está como as linhas que a minha mãe me deu


Barnabé Santiago 03/02/2006

sábado, março 11

precisava ter sabido
não.
recisava ter confiado
no pedaço de alma
que leu sim no teu sorriso

chegas-me mais que tudo
ainda que a cada passo
precise mais da tua voz
a fazer-me seguro
em cada palavra de ânimo
e cada entoação
do reflexo do orgulho
que tenho em ti

precisava ter tido mais tempo
para saber de cor o aroma do teu olhar.
faz-me falta como a melodia de um sorriso adivinhado

Barnabé Santiago
09/03/2006

quinta-feira, março 9

hoje estou um suspiro... daqueles que não se sabe se é bom ou mau.

segunda-feira, março 6

enquanto os flocos de neve pousam
no meu cabelo despenteado
penso nela.
penso nela a pentear o meu cabelo despenteado
e em cada floco de neve a afirmar
um olhar
a afirmar cada frase dita na distância
de sorrisos que são doces beijos
penso nela e em cada momento do seu cabelo
e cada onda dele que
o privilégio da sorte me deu
a fortuna de presenciar
numa cidade de deambulações
e caras conhecidas de não as conhecer.
e os dedos dela
nos flocos de neve
que caem flutuando e aterram
no tapete irregular do que sou
são felicidades pequeninas em mim
ainda que imaginadas
e parte de uma felicidade grande que
tenho no peito
e me diz a cada momento inconstante como eu
a certeza de um instante unico e de
uma luz acesa no escuro de ser.
e a singularidade de cada toque ficticio
é um abraço e um não poder ter
mais que o não poder ter mais
que tudo o que temos.
e o saber muito que tudo o que temos
basta
basta para as manhãs valerem a pena ainda que frias
e o dia correr devegar
ás vezes em tudo o que odeio
e só o dia a correr devagar
para uma partilha de horas
de olhares trocados sem ver
e de coisas que se têm num
peito que não chega para as alcançar.
e os beijos adiados
sentidos em cada letra
mas adiados numa vontade
sem nome de os apressar
fazem cada dor enorme de tempo adivinhado
ser nada
nada



nada como todas as mascaras sedentas
vistas entre copos e luzes
sorridentes de noites e extravagancias
sem sentido.
porque a mera promessa de
um toque real
apaga todo o impulso de efemero
e todas as luzes que me mentem.
pàra de nevar
e ela ainda está comigo
como letras embebidas
na palma da minha mão
repetidas
até à hora de um haverá
de um haverá neve a cair
e dedos
dedos de carne como o corpo desejado
a tocarem o meu cabelo despenteado
e um olhar dentro do meu
parte do meu
e sorrisos maiores
que qualquer caracter inventado
ou por inventar
ou que quaisquer lábios
possam exprimir sem braços
e dedos entrelaçados.
e tudo isto
que ela é em mim
talvez sem que nem eu saiba
é o sorriso incompreendido pela companhia
enquanto empurro a porta
em busca dos lençois que me trazem
o sonho
em que a posso tocar

( ...sussurro... arrumei a caneta e ela ainda cá está como sempre)



Barnabé Santiago

27/01/2006

quarta-feira, março 1

enrolo um beijo
numa bola de neve
e dou a volta
às palavras que não tenho
para te dizer
em cada discussão ensaiada
a saudade
que tenho dos teus olhos.


Barnabé Santiago 01/03/2006

segunda-feira, fevereiro 27

o frio entra devagar pela janela

e há um momento de luz

na escuridão do quarto.

o frio é o arrepio que

traz o papel para perto

e faz a caneta deslizar

em rabiscos rápidos

o mundo continua longe de mim

as pessoas que amo existem

na distancia

bem como as que não conheço.

e universos como o meu

ou completamente diferentes

o arrepio passa

eu guardo a caneta

fecho a janela

e volto ao paraiso de não pensar

de não ler, de não escrever.

enrolo-me nos lençois e penso coisas felizes

até sonhar com o que amo.

Barnabé Santiago

24/01/06

segunda-feira, novembro 28

Ash Wednesday

I

Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
Desiring this man's gift and that man's scope
I no longer strive to strive towards such things
(Why should the aged eagle stretch its wings?)
Why should I mourn The vanished power of the usual reign?
Because I do not hope to know again

The infirm glory of the positive hour

Because I do not think
Because I know I shall not know
The one veritable transitory power
Because I cannot drink
There, where trees flower, and springs flow, for there is nothing
again

Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place I rejoice that things are as they are and
I renounce the blessed face
And renounce the voice
Because I cannot hope to turn again
Consequently I rejoice, having to construct something
Upon which to rejoice
And pray to God to have mercy upon us

And pray that I may forget
These matters that with myself I too much discuss
Too much explain
Because I do not hope to turn again
Let these words answer
For what is done, not to be done again
May the judgement not be too heavy upon us

Because these wings are no longer wings to fly
But merely vans to beat the air
The air which is now thoroughly small and dry
Smaller and dryer than the will
Teach us to care and not to care
Teach us to sit still.

Pray for us sinners now and at the hour of our death
Pray for us now and at the hour of our death.

T.S. Eliot, 1930



Porque há livros assim, que se abrem em páginas de acaso. E que dão ansias de descobrir. "The Complete Poems & Plays" by T. S. Eliot, Faber and Faber Limited

sábado, novembro 26

posting my own secret


terça-feira, novembro 22

Dou a volta à cama, contornando as colinas das nossas roupas no chão, depois de te afagar os cabelos e te sentir o folêgo pacífico de quem dorme segura. Cada réstia violenta de tecido sussurra as estórias que nos contámos trocando cheiros de champô e vitórias pequenas de cada beijo trincado em conquista. O meu cabelo espalhado pelo ar em volta da minha cabeça. Sei que as tuas mãos existem quando me tocas. Sento-me à secretária, e a tua reprimenda adivinhada leva-me a mão para longe do ritual mágico de enrolar a satisfação de um cigarro. Ascestral como dançar contigo de janela aberta é descascar uma laranja, enquanto sigo a linha das tuas costas, e lhes adivinho as trilhas das minhas unhas sedentas de te ter mais perto. Inalo o odor saudável a suor do meu corpo e sei cada parte dele que é teu, que é nosso de não sabermos os limites dos nossos corpos, e cada instante teu me vem tão intenso como as descobertas lentas e forçadas de cada lábio, de cada mão. As tuas ancas ao som de Nick Cave. Os teus seios nos acordes suaves de Sigur Rós. O teu rosto sereno de êxtase e podia estar a Quinta de Beethoven ou a segunda de Brahms cantada por legiões celestiais, seria ainda só o teu rosto sereno em êxtase, com toda a realidade a descambar para fora do meu corpo reflectido nas tuas feições.
Moves-te num sorriso que não me atrevo a escrever. Lágrima. Devagar aconchegas-te no meu edredon que, cumplice de nós, não te cobre. Ainda bem. Há algo de impossivel nas tuas pernas que me impede de mergulhar na melancolia doce de chorar por te olhar. "Gostava de poder ter uma vida para partilhar contigo." penso enquanto desenho a linha que vai do teu joelho ao teu mindinho, que a minha boca descobriu hoje como um fruto novo para devorar. Se algum dia alguém poder inventar a palavra suave vai inventá-la com as tuas pernas alvas de nórdica. Horas, horas nesta cama. Dias. Estar contigo é como entrar no espaço sem tempo de te devorar o pescoço e não pensar em tudo o que ainda temos de aprender sobre os nossos corpos. O teu corpo. O meu corpo. Os nossos corpos, sem começar nem acabar em nenhum dos lugares onde começam e acabam os nossos corpos. A sincronia que buscamos em cada gesto devagar, para não arruinar o prazer de aprender passo a passo as tuas mãos a dançarem na minha barba por fazer. Quanto mais tempo durar a imperfeição pequenina de ainda não nos tocarmos quando precisamos; quando tens de ter os meus lábios nos teus ou tenho de sentir a tua lingua rodopiar na minha orelha, mais tempo durará a descoberta selvagem e limpida de ter cada momento do outro, cada repiração ofegante e cada dentada estudada. Estaremos satisfeitos quando possuirmos os sabores um do outro até à exaustão dos dedos na pele desse travo.

Sempre mulheres e sempre quartos. Sempre mentiras inventadas no escuro e palavras tiradas das lições de estar só. Mais uma. Tão bela. Tão impossivel de me tocar, na minha frieza, na minha armadura de dar prazer sem esperar nada em troca. Tão só um corpo para descobrir, para dissecar em lugares e suspiros gemidos. E por trás tudo o que sempre pude querer, como sempre. O jeito, a graça, a inteligencia, o sarcasmo. Em ti ainda para mais o saberes, saberes que nunca te vou amar, que vais partir de manhã sem me dizer "Telefona". Que vais partir de manhã e vais dizer "Gostava que pudéssemos ser outros. Gostávamos que pudéssmos querer mais que nos partilharmos e desse-mos as vidas que não temos um ao outro." E a minha resposta vai ser a mesma de sempre. Um beijo de recomeçar tudo de novo, como todas as noites em que vens.

terça-feira, novembro 15

"O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos..."

Excerto de "Se te queres" - Àlvaro de Campos


Demasiado a frio caro Álvaro, olha que há calor nos homens até chegar a vez de eles serem chorados, e memória se tiverem essa sorte...

terça-feira, novembro 8

a janela aberta
e a chuva lá fora
a deixar entrar
o cheiro a erva molhada
e das gotas
a colidirem com as folhas
e com as asas
dos pássaros pousados
num ar de paciencia
que só a natureza sabe ter
de uns olhos volteando
e ajeitar as penas
aceitando a água
e o verde
e o cheiro da terra
quando o céu
a toca mais
e eu deixo a janela aberta
para molhar as folhas
de papel que me mandaste
e ver a tinta a borrar
as letras de sentidos
perdidos
ou levados pela chuva
como as lágrimas
que teimam em não sair.

Barnabé Santiago 08/11/2005

sábado, outubro 29

Chapéus Peludos ou Moicanos Azuis - III

Uma janela grande. Tenho uma janela grande no sitio onde moro, e a minha secretária de frente para a janela. A cama no meio do quarto, sem apoio de uma parede para dormir.Tenho uma janela grande, que dá para àrvores, esquilos e pássaros; e as gotas de chuva, que acompanham os post-its na janela são coisinhas pequenas que escrevem palavras estranhas nos vidros, como as rabiscadas em papéis amarelos. Da minha cozinha vê-se a cidade, e a distância convida a chás e conversas sem sair à rua. Gente diferente de sitios diferentes, com tanto para ensinar, cheiros e maneiras e homens de vidas á sua maneira, entram na minha vida, e nem sequer saio de casa. Pensar que algures comer migas é nojento ou que andar de mão dada na rua é crime. Mas ler isto nos olhos de quem vê cidades pela primeira vez, é como pisar terras e sabores distantes, numa partilha de torradas e conceitos de outra lingua. Quem diria que pensar matemática é diferente noutra lingua, ou que voltar á das primeiras palavras (mãe?) é tão automático como praguejar numa panela quente...
Estou mais perto do mundo, embora tenha de optar todas as manhãs entre o autocarro (quantas vezes sonhei andar num vermelhão de dois andares como os dos meus briquedos de mais pequeno...) e dois terços de hora pelas ruas castiças de lojas de bairro... Gosto tanto de andar, e agora ainda gosto mais de andar; porque ando mais, e porque na distância está um sonho no meio da selva (pulos de alegria na mera hipótese "Talvez possas...", Indonésia daqui a dois anos, treino intensivo e procurar bichos que nunca nenhum homem viu), e há que estar pronto...
Na viagem de regresso a casa (escada de carcol para o primeiro andar...), as casas alinhadas na rua, victorianamente iguais mas cada uma diferente, espelham os meus olhos a saber um botão como o primeiro gesto depois de abrir a porta e contornar a cama (ilha de lençois no centro do espaço, o edredon carrgado na mala quase faz dela a minha). Acho que o que quero dizer é obrigado pelas figas.

Barnabé Santiago
29/10/2005
pilot.
You are the pilot.


Saint Exupery's 'The Little Prince' Quiz.
brought to you by Quizilla
amo tanto a minha vida simples,
porque não é ridiculamente simples,
é só simples.
como os remoinhos de folhas no Outono
ou o vento a fazer a areia arder nos pés.
não é ridiculamente simples
porque sopro para perto
o que de complicado nela há,
e fico a usufruir as folhas e o vento
e a saborear cada momento pequenino,
sem me esquecer do mundo
nem de quão pequenino sou.
e em lugar de me perder nos meus ridículos
abraço o meu tamanho
como uma coisa querida
e saio á rua para sentir a chuva.

mas lá no fundo,
como um queijo esquecido no frigorífico,
também quero ser Grande.

uma goteira cai-me no pescoço
e sorrio
viver arrepia

Barnabé Santago
25/10/2005


Dumb
"I'm not like them
But I can pretend
The sun is gone
But I have a light
The day is done
But I'm having fun

I think I'm dumb
Or maybe just happy
Think I'm just happy"
Nirvana - In Utero

terça-feira, outubro 18

Enquanto a vela arde junto com os blues deslizantes há qualquer coisa no ar da sala que não é fumo nem é blues. Não, não são acordes nem harmónicas a melancolia que o povoa, são memórias. Há vento e palavras longe da sala. Há cabelos negros e sorrisos, e as palavras têm fundo de mar roçando o penhasco. Há um olhar que não se confunde com nada, que é só um olhar. As palavras são estranhas, fugindo ao assunto de um beijo. Mas o beijo vem, não se pode fugir de uma brisa que passa. O copo de gin está meio, e dez lamúrias por gole não são nada. Nas sombras há mais memórias mas o olhar desvia-se. A vela treme com a respiração ofegante de se lembrar, de se lembrar de tudo ainda que copos se esvaziem. De se lembrar dos passos escuros no quarto de tanta ternura, de se lembrar do suor e do cheiro a incenso. Da dança dos corpos ao luar de uma janela aberta, e de nenhuma palavra rasgar essa paz de uma batalha. Um trago, o gin chega ao fim, nem a distância nem o tempo afastam os sorrisos, os olhares. Nem as palmadas nas costas, nem as noites acompanhadas levam para longe festas no cabelo e abraços. Um abraço de cabelos levados pelo vento, com o mar a varrer os pés. O horizonte de um sol descendo a ser a testemunha de palavras quase impossíveis. A mão segura o copo vazio como as tardes de ausência e o homem varrendo o chão gagueja outra dose… O Tejo em frente da cumplicidade da cabeça no colo, a fuga de tudo para tudo o que importa. A lucidez nas traseiras, e estrear vocábulos sem o medo falhar. Poemas criados em manhãs simples como estar no único lugar do mundo, o abraço.
A hora é tardia, com as cadeiras em cima das mesas e os cinzeiros vazios. O vinil arranha o último rasgo mas a música não chegou ao fim. Fim de tarde no lugar comum de um parque de enamorados, o baloiço carregando em ondas suaves as palavras de uma corte sem sentido, porque a vontade é de um beijo. Voltar para casa com o balançar de um olhar na memória, e a despedida do beijo corrida no comboio que arranca, destino marcado, como o beijo da manhã seguinte. O homem ao canto, lança a critica muda da hora. A vela extingue-se sobre si própria. Há uma noite fria, o telefonema da dor anunciada, o silêncio cúmplice de tudo o que já se sabe, de tudo o que se disse em lágrimas escondidas e adivinhadas no espelho. Palavras escritas em lugares secretos que revelam tudo, a crueldade de ser frio e pronunciar adeus, escondendo a dor, com voz firme de “tem de ser”, e quebrar a máscara no segundo final, articulando os sons óbvios e impossíveis do único sentido de respirar. Agarra o casaco enquanto se levanta, a melancolia no ar começa a assentar sobre o chão varrido, os acordes cessam por fim, com o disco bem arrumado no caixa. O copo descansa, meio cheio. Paga e sai sem murmurar uma desculpa. Puxa o colarinho contra si ao chegar à porta. Lá fora chove…

Barnabé Santiago 14/09/05 e 16/10/05

terça-feira, outubro 4

a felicidade é uma brisa leve que os dias levam na turbulência de passarem tanto.

quem sopra essa brisa somos nós.

soprá-la é como começar um verso triste e acabar por dizer
que quem sopra a brisa leve que é a felicidade somos nós.

e é tão fácil…
é só soprar.
é só mudar um verso triste para o saber muito que o nosso sopro basta
para que as tempestades em volta sejam aragens ligeiras,
e os dias passem sem a melancolia de morrer sempre em horas tristes.

Barnabé Santiago 03/10/2005

segunda-feira, outubro 3

Chapéus Peludos ou Moicanos Azuis? II

Enfim, as ruas não são estranhas e os passos inconscientes de um livro na mão encontram passeio onde as lajes já não são estrangeiras. Precisar de Patrice pela manhã “Everyday is good because of being alive…”, porque as horas lá fora são sempre as mesmas, um céu cinzento de uma madrugada que parece não acabar.
Gastei tanto dinheiro a mais. È tão fácil mandar dinheiro fora sem pensar…
Hambúrguer de peru ao almoço, massa ao jantar, não saber do futebol, não saber da política, combinar copos, noites, saídas, festas. Ressacas difíceis, com o tempo a ajudar a letargia de não ter água no corpo. Caminhar para a cidade, caminhar de volta, repetir… Quinze quilómetros nas pernas cansadas de umas botas de montanha.
(Sempre soube que a minha mãe me ama, mas hoje sei-o com mais força. Eu não queria comprar botas e ela obrigou-me. Hoje tenho os pés secos, e sei que amo a minha mãe. E mais, a minha mãe, porque me ama, mandou-me a melhor faca de cozinha que tem, e quando estou a cortar o queijo para o meu hambúrguer ou para a minha massa, eu sei com muita força que a minha mãe me ama, e lembro-me de quando tudo o que eu tinha de fazer era pôr a mesa.).
O tempo no calendário a ser uma ficção ridícula de o tempo passar em pessoas novas e em desilusões curtas. De olhares, estamos todos sós, e nomes cuspidos sem intenção de mais que o conforto de umas palavras. O calendário a impedir-me de chamar ao meu quarto lar, mas de o sentir fundo, e de uma cidade nova ser já muito minha nas deambulações das saudades de casa.
“Slow down everyone you’re moving too fast…” Noites… Beber como nunca vi, e dançar como se a noite fosse acabar a seguir. Acaba. Sair para o pub á hora de jantar, todos bêbados pela hora de sair, vir para casa à hora da discoteca. Ser o único menor, e o único a não mostrar ID…Sorriso na cara, falta pouco. Sempre mais uma casa onde ir, sempre mais uma cerveja para beber. Uma residência com três mil alunos. Mini-saias e um frio de rachar. Sair de casaco nas primeiras noite, não querer ser freak, sair de calções ontem… “Move like a jelly-fish/Rhythm is nothing/You go with the flow/You don’t stop”. Socialismo no seu expoente, aqui só não factura quem não quer. Tão bom sentir-me estrangeiro…
Pessoas diferentes, grupos diferentes, incompatíveis. Sair com uns sair com outros, sair com gregos e com troianos (galeses no caso), com bêbados e com certinhos, com pop-star girls e com rebeldes sem causa. Ter de tudo e não ter obrigação de escolher. Gosto de companhia, e gosto da maior parte das partes de mim.
Não ter net.
Papéis, horários, bancos, telefones, cartões. Palavras repetidas, que merda de sotaque. Ser o português que fala americano e usa expressões australianas (o prazer de no pais do “cheers” responder “no worries”).
O adiar de lavar a roupa (vai ser uma estreia…), e a última muda no corpo. Livros de uma libra devorados nas tardes cinzentas, Marquez, Borges, Chomsky, Homero, Levi… Livros por comprar, o dinheiro já curto (150£ por 15 quilos de tudo o que tenho de saber…).
Sessão de apresentação, um teatro, um teatro mesmo, alunos dos cursos de biociências, trezentos e cinquenta a cobrir o veludo vermelho do anfiteatro. As pernas a não caberem, e uma capa onde escrever. A tutora pede desculpa, e eu considero o privilégio de ter aulas no Royal Museum of Wales (boa colecção de impressionistas, um par de manets, um trio de monets, mais dois ou três van goghs…). De pé?, se tiver de ser. Seis horas por semana ali: resolução de problemas, biologia celular e bioquímica. Toda a gente a fazer confusão com as minhas opções, então um bioquímico não pode querer fisiologia? Horas a mais? Não, não sou um puto mimado inglês, trabalho desde os doze obrigado…
Entrar na universidade às duas da manhã para responder a mails e sentir aquele arrepio de paredes velhas, de pessoas e vidas marcadas nos degraus pisados (Stora Idalina, e os degraus que Camões pisou, o calafrio de passar a porta férrea, como seria ter ficado em Coimbra, o João e a paixão pelas ideias…). Passar pelos laboratórios de doutoramento com um sonho nos olhos. Comprar a minha bata nova, ter uma lapela com o nome do meio como apelido. Passar pelos mimados de medicina, têm a papa toda feita, festas e clubes só deles, são os últimos a chegar a casa (as festas mais selvagens!) e os primeiros a sair (aulas das nove ás cinco). Uma ponta de ciúme, e todo o orgulho de tentar salvar um mundo e não uma vida.
Sociedade de xadrez, sociedade biomédica, sociedade de jazz, sociedade de musica alternativa, clube de surf (pranchas e fato de borla! Uma libra por cada ida á água). Tardes a ver o bailado ancestral do râguebi, a cumplicidade sem idade da testoesterona, a civilização da brutalidade. Quero aprender a ver râguebi…
As aulas começam amanhã, entre as caras prestes a serem conhecidas, e acho que estou feliz. Telefonemas de casa, e as lágrimas que a minha mãe não chora ao auscultador. As saudades estão lá no fundo mas estão. É bom ter a minha vida nas mãos, e nunca tive tanto medo, não a quero deixar cair.
Uma sala. Uma sala onde entra sol pela janela, ainda que a chuva lá fora.
Uma sala que não são as paredes pintadas da sala, nem os desenhos velhos de existir.
E que não é uma sala de quadro negro e de carteiras de ouvir só.
É uma sala circular dentro de paredes quadradas.
Uma sala que são as pessoas dentro dela, e as partilhas dentro das pessoas.
Uma sala que são as ideias e as acções, o numero dez e os ideais.
Uma sala que não é sala nenhuma, e é os cafés e as rodas na rua e os acenos de cumplicidades sentidas.
Uma sala que são as confissões e os olhares amigos, e onde os juízos são um lugar estranho.
Uma sala que tem dentro as coisas boas que escolhemos, e as que aprendemos.
Uma sala que passa a ser um pedaço de nós que deixamos para trás, que trazemos connosco; que é só um pedaço de nós. De um nós maior que o umbigo grande que trazemos. De um nós que somos todos no circulo maior de nos olharmos.
Uma sala de elogios e entregas, de amizades crescidas no imo de ouvir.
Uma sala de aprender e ensinar, de seguir e ser seguido, de iguais e mais que iguais.
Uma sala de admirar o arquitecto, e felicitar o engenheiro.
Uma sala de viver simples e não pensar na sala.
Entrar só, e sentir o sol entrar pela janela de chuva lá fora.

Barnabé Santiago 03\09\2005
nem sei o que dizer,
estou só e sabe tão bem.
é tão bom ter amigos.
mas há prazer em ter companhia,
companhia simples de estar com alguém.
de aprender o que nos querem mostrar,
e mostrar só o que apetece ser.
no momento,
que é tudo o somos.
e sabe bem que “vemo-nos por aí”
não seja nada.
há prazer na falta de substância
de palavras trocadas em máscaras,
papéis de existência simples,
e não ter de auscultar essências.

desconfio de mim.
e sorrio no escuro…

Barnabé Santiago 24\09\2005
Dor é ficção.
Dor é não saber o que sentir.
Dor é o desamparo não ter para onde virar.
Dor é uma espera
por uma distracção que não vem.
Dor é estar só connosco
e não saber com quem estar.
Dor é esquecer um sorriso fácil.
Dor é olhar em volta e pensar.
Dor é pensar.
Dor é escolher a música errada
e saber qual é a certa.
Dor é um livro que nos diz a verdade
e esconde uma mentira maior.
Dor é repetir erros.
Dor é uma dívida que não se paga.
Dor é uma palavra amarga
que se larga sem saber.
Dor é não saber onde dói
e ter razão.
Dor é faltar definição.
Dor é ter uma rota impossível.
Dor é uma derrota breve,
com a vitória perto.
Dor é a distância ser grande,
e esquecer que ser feliz é só querer.

Barnabé Santiago 24\09\2005
escrevo-te hoje
escrevo–te hoje sem ser para ti
porque hoje sei que vais ficar bem
porque hoje sei que vou ficar bem.

escrevo-te
com um beijo
daqueles que parece um abraço interminável
porque sei que vai ficar tudo bem
bem como só podem acabar as estórias que inventamos
como é a nossa
hoje é a noite com madrugada dura
e com um alvorecer glorioso de que vai ficar tudo bem
hoje corre no meu corpo a noção de que nós tem sentido
nós teve sempre sentido
o sentido sem sentido que sempre teve
como se sempre tivesse sentido…

e tudo o que te quero deixar é esse beijo
esse conforto de que o que nos espera não é o desespero
nem a madrugada
mas a memória
a memória definitiva de que as tardes não entristecerão
de que o mar vai continuar a varrer-nos os pés
ainda que os nossos braços não se encontrem
quando o vento te tocar o cabelo
e o teu nome se escrever nos meus olhos

foste a estória que me recuso a esquecer
e a felicidade que me tocou num fim de tarde
que um adeus não apaga.

(Sim podemos ser Amigos e os silêncios partilhados na distância vão saber a tanto…)

Barnabé Santiago
13\09\2005

domingo, outubro 2

estou hoje frustrado, nao vou ter a sorte de ver o eclipse solar. passei os ultimos tres anos `a espera e vim embora duas semanas antes...
estou a tentar mudar para uma residencia com ligacao... Figas!!!
P.S.:as ruas ja nao sao estranhas...(suspiro)

segunda-feira, setembro 26

Chapéus Peludos ou Moicanos Azuis? I

Há quem apanhe mocas com álcool, há quem prefira substâncias de legalidade duvidosa, a mim basta-me a moca de sono com que acordo todos os dias. E logo na última vez em que a minha mãe me vai acordar á cama é que a moca me havia de dar para a sinceridade. ”Já são cinco e dez…” “Tu não me digas que horas são! Eu sei! Eu sei tudo…” então acordei, dei-lhe uma festinha e ela percebeu que eu nem me estava a sentir. Levanto-me da cama estremunhado e olho a cumplicidade do quarto em volta, enquanto ouço na minha cabeça os acordes simples do inicio de Exit Song(For a Film) dos Radiohead “”Wake from your sleep and dry on your tears … Pack and get dressed … Breathe, keep breathing, don’t lose your nerve”.
Sinto o quarto como um lugar estranho. Não estranho de não o conhecer, nem estranho de algo que o torne estranho. Estranho é que não leve o meu quarto comigo (será muito dinheiro de excesso de peso?). Estranho é que longe de mim o exista o caos aparente de um lugar tão meu. Que deixe de partilhar com estas paredes as minhas lágrimas e os meus sorrisos. Que a minha pilha de livros continue ali, no chão ao pé da estante do que sou.
Olho a minha casa e sei que será sempre a minha casa. Os meus irmãos dormem num quarto que já foi o meu, e cada canto continua a ser cada canto.
As malas na bagageira e ruas que conheço tão bem. Sinto-me um puto a caminho da escola, pequenino no banco de trás; é o que sou.
É madrugada sobre Lisboa e pela primeira vez na vida (a sério!) sinto verdadeira frustração de não ser maior, por duas semanas ainda precisei que o papá e a mamã rabiscassem sobre o joelho a minha autorização de ida.
Check in no último minuto, os tipos da frente numa surf trip que os levaria a um qualquer lugar onde o calçado foi esquecido, com três escalas pelo caminho, e o choradinho do costume com as pranchas “Vês mãe, quando me pagares uma surf trip vai ser assim…”. A hospedeira que implicou com a foto sem barba no BI a perguntar “ Então fazem o Visto á chegada?” “Qual Visto?” O tipo mais baixinho, de havaianas amarelas e mochila NorthFace, tem todo o ar de quem se está nas tintas para ver ou deixar de ser visto, ele vai sair calmamente do aeroporto com a 6’4” debaixo do braço, alugar um carro e seguir para o spot mais próximo, mar perfeito sem crowd num raio de 10Km. No canto do meu sorriso há uma ponta de inveja (lá chegará o meu tempo), enquanto a hospedeira explica detalhadamente à plateia distraída todos os passos burocráticos que eles com toda a certeza vão saltar.
Em jeito de conselho: quando quiserem viajar sugiro que não tenham barba, botas de montanha, uma t-shirt vermelha com slogan duvidoso (powder for the people) e um livro de Nietzche na mão. Na verdade até as botas, nas quais guardo dois terços do dinheiro (um terço em cada uma) que trago tem de saltar para passarem por raio-x (será que os sorrisos do tipo da máquina querem dizer que o dinheiro apareceu no ecrã?...).
As recomendações que ninguém ouve passam no ecrã e eu farto-me de procurar mas não vejo uma única hospedeira com argumentos que honrem a Lenda da hospedeira, os tempos já não são o que eram. Enquanto sobrevoamos o atlântico olho pela janela, a executiva sentada ao meu lado puxou o seu i-mac de para cima de uma fortuna e a trepidação da asa lembra-me que vou montado num molho de pedaços de ferro pregados com rebites, é surreal, especialmente porque estou a 11000 metros e viajo a 900 km/h.
Á chegada a Heathrow sei exactamente como me vou sentir nessa noite. Há malas que ninguém vem buscar e andam em volta, sempre na fé de que alguém lhes deite a mão. Uma mala com ar de já ter dado ter voltas ao mundo conhecido e ter mais aeroportos no bolso que qualquer popstar passa por mim. Mr Sakamoto, reza a etiqueta, nem esperava outra coisa, se dissesse Jonh Doe ou José Silva não estranharia. Fui o primeiro a chegar ao pé da ruiva com riso histérico que segura uma folha: Cardiff University e em Galês: qualquer coisa Caerdydd, como se algum estudante estrangeiro soubesse galês…
Ofereci-me para segurar a folha, já é costume os meus compadecimentos darem em frete… A próxima a chegar é uma tuga que mora nos Estados Unidos e vem fazer mestrado em ordenamento do território. Será normal que não perceba patavina do que a ruiva diz, Laura é o nome, mas o sotaque galês embrenha toda a cena e deixa-me meio tonto, se calhar é fome, a merenda no avião foi fraquita como se espera. “Onde é que posso comer qualquer coisa” tenho de mudar de sotaque, estou farto que me perguntem se já vivi no states “Aprendi inglês com o cartoon network…” depois de umas palavras que entendi como relativas à importância pedagógica da televisão, lá me respondeu que o melhor seria ir ao outro terminal. Sigo com a Sandra, vive em Washington e diz-me que os Americanos não são assim tão burros, para o meeting point, assim chamado quer tanto esteja no Reino Unido como em Lisboa ou Banguecoque, de encontro a outros internacionais. Percebo quando cá estou a importância de discussões como a dos guettos ou segregação racial aqui, se metade das pessoas que vejo são caucasianas já tenho de olhar com muita atenção. Depois de percorrer com o carrinho da bagagem equivalente á linha vermelha do metro de Lisboa. Quando chego tento fracassadamente ligar o wireless do PC, esquece. Vejo um placar que diz “bite.”. Alto, estão a falar para mim… Enquanto me encaminho para a tão soculenta comida envolta em plástico a Sandra guarda-me as coisas, ela trouxe peras de casa… Com a fome que tenho quase me sinto feliz de largar 1200 paus pela sandocha plástica. Quando regresso já Sandra meteu conversa com uma italiana que vem fazer erasmus e nem a mim me percebe, até sou um gajo de sorte… Seguimos para o autocarro, há uma canadiana que deve trazer 90 quilos de tralha, sem exagero, são 4 sacos como o meu, mais almofada e i-pod. Ofereço ajuda com um deles, (chumbo!!!) perguntando ironicamente se ela vai a casa no natal, “Ya…”. Fico a modos que boquiaberto, mas depois de uma mais demorada observação percebo que de facto ela deve precisar de uns bons quilos de base por dia para disfarçar o acne… A todas as minhas pretendentes, se quiserem ter a mínima hipótese é sinceramente melhor que se tiverem o tipo de tiques de trazer 12 pares de sapatos e uns chinelos de quarto para uma estadia de três meses o disfarcem razoavelmente bem.
Três horas e meia de verde depois chegamos à capital de Gales. A palavra gales queria dizer “estrangeiro” para os anglo-saxões, irónico que a palavra gaélica “Cymru” tenha a ver com amizade. Burocracias e quilómetros depois aterro na minha cama 14 h depois de me levantar dela, são diferentes, muito diferentes, mas são a mesma, a minha. Estou feliz de ter trazido o meu edredão. O quarto é porreiro, quatro metros por três de conforto, quarto de banho incluído. Arrumo tudo, tomo um duche e vou até ao bar da residência, já é muito tarde para ir ás compras. Nada me tinha preparado para o que estava prestes a testemunhar. Enquanto peço uma sandes de frango que vem acompanhada de batatas fritas em forma de espiral e uma caneca de carlsberg é impossível descansar os meus olhos no prato. Nunca antes, por mais arrojado que fosse o local, havia presenciado tanta tensão sexual num só local.
É tão incrível a maneira como as pessoas se olham, que cresce em mim alguma apreensão de que a cena cedo se transforme num bacanal. As miúdas, ridiculamente iguais umas às outras, trajam cintos largos demais, decotes extremos e maquilhagem do molde “Pornstar”. Não consigo deixar de me aperceber que numa qualquer rua de Lisboa 70% delas estaria pronta para o ataque.
A net no cyber onde ensino um tipo cheio de piercigns e um porta-chaves em forma de cabeça do Yoda a tirar uma italiana ainda não está ligada. De qualquer forma ainda não tenho a minha password, “Isso não é problema”, Richard, o colega do “StarWars Maniac”(Ryan) oferece-se para me emprestar a dele. “Este café é mesmo mau…” “Pá não te podes queixar só te cobrámos 50 pences, não fazemos ideia quanto é que custa…” Acho que me vou dar bem com eles, são finalistas, com muita pena, aposto que não se importavam de passar aqui mais uns aninhos, e tomam conta do balcão da secção cyber do bar, uma espécie de lounge sem fumo nem álcool, que fica no primeiro andar, mas também aviam cerveja do outro lado. Volto para o apartamento ainda vazio de outros ocupantes, (pelo menos ainda ninguém se queixou da música) decidido a por a minha papelada em ordem. A meio ouço vozes, são dois indianos com uns amigos, primeiros ocupantes do meu apartamento, fico meia hora a falar de futebol e deixo-os ir descansar do voo directo de Nova Deli. Adormecer é estranho, estas paredes não são minhas, mas amanhã já passou, amanhã passa sempre.