a tua mão na minha
e as folhas a cair, num outono
arrepiado cedendo aos caprichos do Inverno.
o vento a descer a rua conosco
a aconchegar-nos os cachecois
e a pincelar de azul as nossas faces rosas
não há frio que penetre o teu olhar sorrindo.
vou-te falando de todas as ideias que me fogem
de todos os instantes de letras sem lapis
de uma memória prometida e falhada
sufocada pelos dias e as caras
e o sorriso no teu olhar,
enquanto compensamos o declive com os corpos
traz a primavera para dentro de mim.
vais-te desvendando aos poucos
ancorada no que ja sei de ti
e eu sei que não é tudo a descoberta
puxas o que me interessa
e eu não evito a discussão
falas dos teus sonhos
e eu tento atentar nas lajes tortas do passeio
mas não desprendo o olhar de ti.
os dedos enterlaçados
os polegares afagando-se docemente sobre as luvas.
o outono continua fora do vidro da cafetaria
e entre os cappucinos nas nossas mãos
há algo mais que as palavras e as partilhas,
maior que os sonhos e os momentos
e toca-mo-lo com os nossos olhares
distraidos de tão focados
nos pormenores infimos das faces um do outro
e nas palavras proibidas
não proferidas
para amadurecerem dentro de nós
até ao momento da luz certa
até à hora em que não mais se contêm nos lábios.
mas adivinham-se nos gestos pequenos
sinais disfarçados mas não escondidos
que o frente a frente nos vai mostrando.
um prato estala na cozinha
e percebo o voô de dois passaros que se encontram
e rodopiam para fugir a seguir
quando me apercebo a um canto do café
que estou só eu e o meu sonho
que a cadeira vazia em frente a mim se adivinha uma condenação.
na vidraça enorme o cinza lá fora
dita o rigor do inverno bem cerrado
nos vultos que passam
nem sequer me deixo ficar triste
os sonhos foram feitos para se alcançar,
mas junto as mãos uma à outra
e ao soprar para a concha dos meus dedos
há a marca de um calor que não toquei
mas lá está como as linhas que a minha mãe me deu
Barnabé Santiago 03/02/2006