Tantas folhas brancas por escrever.
E tanto com que enchê-las.
Sobretudo com o loop imenso
de que de nada vale escrevê-las.
De nada é o esforço
de pôr cá para fora os demónios e os arcanjos.
Se está tudo na mente.
Se ainda que o papel exista
e as letras desenroladas
são só cheias de cabeças e ideias.
São só coisas na nossa mente.
Artefactos a esconder a verdade do silêncio.
Mais charadas e joguinhos
para distrair do medo.
Do medo de não ser.
Morte.
Silêncio.
O tudo transformado no nada que é.
Reparo nas linhas que escrevo
como quem sonha acordado que é altura de dizer algo.
Acontecem e eu vejo a folha branca a encher-se.
Lembro-me que estou a fugir do Inominável.
E enquanto me lembro,
e até enquanto analiso isso,
permaneço no ciclo vicioso dessa ilusão.
Sou.
Isso pareço saber.
Sou o Outro.
Tudo em minha volta é outro.
Ou assim aparenta a comédia da viagem.
Aqui, ao contrário da lógica a que me acostumei,
acordo para um mundo
que parece acontecer do lado de fora.
Separo os detalhes da minha experiência
em pensamentos que
as transformam em coisas.
E quando interajo com elas,
as aparentes coisas,
resultados emergem.
Mas é tudo uma coisa só.
Um campo único vibrando em existir.
E os meus sentidos dão-me perspectiva disso.
Será que é isso que eu sou?
Uma perspectiva?
Mas sou tantas.
Sou.
E habito perspectivas.
Tantas quanto eu imagino.
Sou.
E imaginar o que é?
A cada pergunta a confusão desvanece.
Sou.
Há uma paz no silêncio.
Em tudo o que não se pode nomear.
Em todas as equações
feitas na mente de um louco,
com variáveis
que não se tentam sequer definir.
Há mais saber nelas que em todas as letras do mundo.
A única arte que realmente vale é Ser.
E Ser é Arte.
Penso em todas os seres
que parecem partilhar a experiência.
Em cada um deles Deus.
Em cada um deles Arte.
Os piores e os melhores.
Os vilões e os heróis.
Todos filhos, muitos pais.
Todos perspectivas de Tempo a Agir.
A agonia de não valer a pena volta a invadir-me.
De que vale tentar pôr num pedaço de fibra
pequenos filamentos de carbono
representando o segredo do Universo
ainda que o soubesse?
A mim parece-me
ser tudo
uma grande pilha de Merda.
Nada senão viver vale a pena.
Isso ou suícidio
que é um grande desperdicio
de Tempo.
Viver. Ser.
São coisas diferentes.
Sinto que Ser
é algo maior
que o meu corpo
ou quem sou
ou os circuitos
do meu cérebro.
Ser é.
Com um é que se conjuga
fora do Tempo.
Ser como o tecido básico de tudo.
Viver é algo Outro.
Viver é crescer,
evoluir com vontade,
processar e manifestar realidade,
ou desistir de tudo
e descer ao abismo da matéria.
Viver é o que se faz
com a experiência
depois de se perceber
que nada perceberemos
sobre Ser.
Viver é por as mãos na Merda
e sorrir olhando os padrões.
Sorrio.
Olho os desenhos na página branca
e sei que os macacos vão nele encontrar sentido
durante um tempo.
Já sei o que quero Ser
quando for grande.
Esculptor de Merda.
Barnabé Santiago 11/04/2009